quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Meio pra cá e um tanto lá

A síntese do heroísmo nacional e a arquitetura singular de Jaguarão unem-se
nessa cidade gaúcha localizada na fronteira entre Brasil e Uruguai.

Prepare-se para entrar no “país” de horizontes a perder de vista. Os 390 quilômetros que separam Porto Alegre de Jaguarão cortam uma paisagem de domínio das pradarias pampeanas. Nesses campos, destacam-se lagunas e colinas arredondadas, as coxilhas. Ali, à mercê das condições da natureza, com chuvas ciclônicas, granizo e muito vento – “vento que vem ventando”, como disse o poeta gaúcho Mario Quintana –, surgem arrozais e estâncias com cata-ventos enlouquecidos, cercadas de arbustos, compondo verdadeiros mosaicos. Bosques de eucaliptos abrigam o gado contra o frio e o vento. Beneficiada por esses cenários, a natureza foi a primeira herança de Jaguarão.
Querer encontrar hoje essa cidade com o mesmo visual do século 19, quando era uma das mais importantes do Sul do País, poderia ser ilusão. Mas não é. Seus habitantes conseguiram preservar a essência em cada detalhe, e ela continua uma das mais belas do Rio Grande do Sul. Exagero? Veremos que não.
A começar pela arquitetura, resumo de sua história. Jaguarão foi alvo de disputas sem trégua entre castelhanos e portugueses, brasileiros e uruguaios. Em algumas edificações, como as das ruas 15 de Novembro e 27 de Janeiro, a mescla de culturas atinge o nível máximo. E é por lá mesmo que se pode dar os primeiros passos para desvendar a cidade.
As fachadas da rua 15 preservam a arquitetura eclética, com suas altas portas entalhadas, platibandas e bandeiras que fizeram dela a rua das mais belas portas do Brasil. Um inventário elenca 800 construções nos mais variados estilos – colonial português, art déco, neoclássico, eclético, moderno. Não é à toa que, no início de 2011, a cidade deverá ser declarada patrimônio nacional pelo Iphan.
Outro charme de Jaguarão é o fato de ser uma cidade de fronteira: em um instante, muda-se de mundo. Basta atravessar uma ponte. E que travessia! A Ponte Internacional Mauá, cujos nove arcos se duplicam no reflexo do rio, foi construída em 1930. Deixe para vê-la no fim do dia, quando o pôr do sol será o coadjuvante de sua arquitetura. Mas o que é uma cidade de fronteira? Composta de duas meias cidades, seus habitantes “vão ao exterior sem sair do interior”, segundo o escritor Aldyr Garcia Schlee. Ou ainda, como define o prefeito e historiador Cláudio Martins: “Estamos meio pra cá e um tanto lá”.


Lugar heroico
Uma cidade não é feita só de tijolos, mas de personagens e acontecimentos do passado. A saga do povoamento do extremo sul brasileiro desdobrou-se por vários caminhos: pelo expansionismo dos portugueses e depois pelos bandeirantes. No alvorecer do século 19, a rixa estava feia nessa faixa territorial do rio Jaguarão. Nascia assim, em 1802, a guarnição militar do Cerrito, a fim de proteger nossas fronteiras. Dez anos mais tarde, ela se tornaria Vila de Espírito Santo do Cerrito de Jaguarão.
Em 1865, a coisa piorou. Os uruguaios voltaram à carga, invadindo a vila. Com uma força militar inferior, mas com a ajuda da população, os jaguarenses reagiram e colocaram os invasores para escanteio. No mesmo ano, dom Pedro 2° outorgaria a Jaguarão o título de “Cidade Heroica”. Mas o bafafá na área só terminaria mesmo em 1909, pelas mãos do Barão do Rio Branco – sempre ele –, que intermediou o conflito e demarcou definitivamente as fronteiras. Não por menos, a cidade do outro lado do rio, em sua homenagem, mudou de nome: de General Artigas, tornou-se Rio Branco.


Portas encantadas
Não se pode deixar Jaguarão sem conhecer seu envolvimento com a música. Você já ouviu falar de Eduardo Madruz? Não? Que pena! Mais conhecido como Edu da Gaita, era obstinado e doce com seu instrumento musical. De todas as suas interpretações, a mais célebre foi Moto Perpétuo, de Niccolò Paganini. Na década de 1940, Edu foi o primeiro do mundo a interpretar a magnífica obra desse violinista italiano em outro instrumento. São 150 compassos representados por 2.400 notas musicais, sem pausa, em quatro minutos. Apesar de tudo, Edu morreu esquecido.
Para conhecer essas e outras histórias, só mesmo flanando pelas ruas desse finzinho de Brasil. A senha é bater em uma das portas encantadas da rua 15, pedir licença e entrar em alguma outra história.

Preste Atenção

Apure os ouvidos para palavras da região: tirãozinho, guaiaca, guaipeva, chinoca, caturrita, butiá, guaiba, charrua… Em Jaguarão, elas se traduzem respectivamente por: pequena distância, cinto, cão, garota, papagaio, palmeira, pântano e indígenas que habitavam os pampas.

Não deixe de assisir

Antes de visitar Jaguarão, uma boa mostra para se compreender os habitantes de fronteira está no filme O Banheiro do Papa, dos diretores uruguaios César Charlotte e Enrique Fernández. Eleito o melhor filme do Festival de Gramado de 2007 e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2007, a história baseia-se num conto do escritor jaguarense Aldyr Garcia Schlee.

O Jaguarão tem mais

Estâncias
As estâncias fazem parte da história dos pampas e revelam a razão do orgulho de ser gaúcho. Agende uma visita nas fazendas centenárias Bandeira e São João do Juncal, que contam com criações de cavalos crioulos, ovelhas e gado.

Museu Dr. Carlos Barbosa

Só a casa de estilo eclético, construída em 1886, já vale a visita. Mas ela abriga rica coleção de móveis, obras de arte e louças do início do século passado. Chamam a atenção as lâmpadas com filamento de carbono, de 1900, ainda em funcionamento.

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Museu do Pampa


As ruínas da antiga enfermaria militar, construída em 1883, serão parte de uma das obras culturais mais importantes do Sul do País. O conjunto será concluído em 2011 e deverá abrigar material interativo e explicativo, remetendo-se à época da ocupação dessa região, à sua gente e à importância do bioma pampa.

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