quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Colônia do Sacramento











Paulo Possamai

A Colônia do Sacramento foi fundada na margem esquerda do Rio da Prata em 1680 por D. Manuel Lobo, obedecendo ao plano do príncipe regente D. Pedro de expandir os domínios portugueses na América, a fim de assegurar vantagens territoriais e econômicas à Coroa portuguesa. A ocasião era propícia, pois a decadente Espanha de Carlos II, o último Habsburgo espanhol, não parecia capaz de opor resistência aos velhos projetos expansionistas portugueses que visavam dominar o estuário platino e, através dele, assegurar a manutenção do fluxo da prata contrabandeada das minas de Potosí para Lisboa por via dos portos brasileiros.
Se a metrópole espanhola estava enfraquecida, a isolada fortaleza de D. Manuel Lobo não pôde resistir ao ataque combinado das forças coloniais espanholas e dos exércitos indígenas das missões jesuíticas, grupos para os quais a presença portuguesa no Prata constituía uma grande ameaça. A destruição de Colônia, levada a cabo oito meses após sua fundação, irritou profundamente o príncipe regente que, sob ameaça de guerra, forçou a Coroa espanhola a restituir-lhe a posse do território de Sacramento, através do Tratado Provisional de 1681.
Foram bastante difíceis os primeiros anos que se seguiram ao restabelecimento dos portugueses em Colônia em 1682, quando as restrições do governo de Buenos Aires, que procuravam impedir o contrabando e a exploração do gado selvagem que abundava nos campos da margem norte do Rio da Prata, se somaram à corrupção generalizada que marcou o governo de Cristóvão Ornelas de Abreu (1683-1689). A situação melhorou sensivelmente sob as administrações de Francisco Naper de Lencastre (1689-1699) e de seu sucessor, Sebastião da Veiga Cabral (1699-1705), com o incremento da política de povoamento e a intensa exploração das riquezas pecuárias do atual território uruguaio. Porém, a Guerra da Sucessão Espanhola colocaria Portugal e Espanha em campos opostos na Europa, resultando no desencadeamento das hostilidades no Prata e no abandono de Colônia às forças de Buenos Aires em 1705.
A guerra terminou com a assinatura dos tratados de Utrecht, nos quais Filipe V teve de fazer várias concessões a fim de obter o reconhecimento das nações européias à ascensão dos Bourbons ao trono espanhol. O tratado de paz com Portugal, assinado em 1715, assegurou aos portugueses a devolução do território da Colônia do Sacramento. A partir de então, a Coroa portuguesa iniciou uma verdadeira política de povoamento na região, através do envio de sessenta casais da província de Trás-os-Montes. A retomada do contrabando garantiu a remessa de grandes quantidades de prata, ao passo que a exploração do gado selvagem trouxe como conseqüência a luta com os espanhóis e indígenas pelo domínio do território, marcando a fase mais próspera e dinâmica da história da Colônia do Sacramento.
Se os primeiros tempos ainda foram difíceis devido aos problemas de abastecimento que marcaram o governo de Manuel Gomes Barbosa (1716-1722), a situação mudaria radicalmente com a chegada do seu sucessor. A junção do apoio decidido da Coroa à grande capacidade administrativa do governador Antônio Pedro de Vasconcelos (1722-1749) foram os fatores responsáveis por um período de grande desenvolvimento que pode ser considerado como o apogeu da presença portuguesa no Rio da Prata.
Porém, a prosperidade dos habitantes da Colônia do Sacramento preocupava a Coroa espanhola, lesada pelo intenso contrabando, enquanto os colonos e os índios das missões conviviam a contragosto com a concorrência portuguesa na exploração do gado selvagem. Um incidente diplomático em Madri, sem maiores conseqüências na Europa, forneceu aos espanhóis um motivo para tentar desalojar os portugueses do Prata, dando início ao cerco de Colônia, que se estendeu de outubro de 1735 a setembro de 1737. O envio de reforços e expedições navais conseguiu impedir a retomada de Sacramento, mas não teve sucesso em romper o cerco espanhol, que foi mantido após o armistício, marcando o fim da crescente expansão portuguesa pelo interior do território.
O sítio de 1735 marca, portanto, o início de uma nova fase na história de Sacramento. Depois da assinatura do armistício em 1737 e, particularmente, durante o reinado de Fernando VI (1746-1759), que foi marcado pela reaproximação das Coroas ibéricas, o contrabando voltou a florescer, mas a exploração da riqueza pecuária fez-se antes através da cooperação com os indígenas e espanhóis que da presença efetiva dos portugueses no pampa. Também acabou a expansão agrícola, uma vez que a manutenção do campo de bloqueio impediu a criação de novas quintas nas terras fora do controle dos portugueses.
Embora o Tratado de Madri, em 1750, estipulasse a troca da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões, ela jamais foi efetivada, sendo que o Tratado de El Pardo, de 1761, anulou o anterior. A guerra voltaria ao Prata como conseqüência do conflito europeu que opôs os Bourbons à maior parte das demais nações européias, entre as quais Portugal, resultando na capitulação de Colônia frente ao governador de Buenos Aires, em setembro de 1761. Pelo Tratado de Paris, assinado em fevereiro de 1763, a influência da Inglaterra, novamente líder vitoriosa de outra liga contra Espanha e França, obrigou a Coroa espanhola a devolver Colônia aos portugueses.
Entrementes, uma nova guerra entre Espanha e Portugal, desta vez sem a participação dos seus poderosos aliados europeus (respectivamente França e Grã-Bretanha), possibilitou a reconquista de Sacramento pelos castelhanos em 1777. Sem a ajuda dos britânicos, os portugueses não puderam assegurar seu retorno ao Prata, sendo que o Tratado de Santo Ildefonso, assinado em outubro do mesmo ano, manteve Colônia em poder da Espanha, situação que seria ratificada pelo Tratado de El Pardo, assinado em março do ano seguinte.
Hoje a Colônia do Sacramento é um belo destino turístico próximo de Buenos Aires e de Montevidéu. Uma cidade pequena e tranqüila que conta com belas ruas arborizadas e com uma magnífica vista do Rio da Prata. Seu centro histórico foi reconhecido como patrimônio da humanidade pela UNESCO.

Paulo Possamai
Doutor em História Social pela USP
Professor da UFRN de 2004 a 2008
Professor da UFPEL a partir de 2009
Autor dos livros:
Dall'italia siamo partiti: A questão da identidade entre os imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1945). Passo Fundo: Editora da UPF, 2005.
A vida quotidiana na Colônia do Sacramento. Lisboa: Livros do Brasil, 2006.
(org.) Gente de Guerra e Fronteira: Estudos de História Militar do Rio Grande do Sul. Pelotas: Editora da UFPEL, 2010

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